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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Como é difícil ser pesquisador no Brasil


Recebi, no dia 26/09 mensagem eletrônica de uma colega pesquisadora colombiana sobre um edital de cooperação internacional da CAPES para projetos comuns. A parte colombiana do edital já está on-line e traz todos os anexos necessários à compreensão do projeto, bem como o detalhamento necessário, conforme pode ser visto aqui. O prazo final para o envio de propostas se encerra no dia 31 de outubro e, até onde entendi, permite que a aplicação seja solicitada por pesquisadores de qualquer um dos países participantes. 

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Print Screen realizado em  01/10/2012
1ª tentativa: o portal
Ao tentar fazer a minha parte da "lição de casa", ou seja, buscar informações locais sobre as exigências para que um pesquisador brasileiro possa apresentar o pedido, fui surpreendido pela ausência de informação no portal da CAPES, que  apenas exibia uma placa dizendo "Em negociação", como pode ser visto no print screen ao lado.
Como é possível que um programa de cooperação já esteja vigente e publicamente divulgado por um dos parceiros e "em negociação" com o outro? Na vã esperança de ser somente um problema de atualização da informação no portal, busquei mais informações. 

2ª tentativa: contatos de outros setores da CAPES
Primeiro tentei ver se a coordenação de área do Comitê de Ciências Sociais Aplicadas 1 (comitê no qual se encontram os programas de Ciência da Informação) sabia de algo, mesmo não se tratando de algo diretamente relacionado à sua esfera de atuação. Nada feito a informação não fora compartilhada com os comitês.

3ª tentativa: contato telefônico frustrado com a coordenação internacional
O passo seguinte, por sugestão do próprio comitê de área, foi tentar um contato telefônico com a coordenação internacional da CAPES. A tarefa foi mais árdua do que parecia, já que não há link específico para o contactar o setor na página (como é que fica a questão do acesso à informação?). Resolvi telefonar para o número indicado no "fale conosco". Depois de ouvir um extensa gravação sobre as opções que eu deveria teclar para seguir adiante, consegui ser atendido. Para que eu simplesmente pudesse perguntar qual era o número telefônico da área internacional tive que dar nome completo e CPF. Após conseguir que o atendente compreendesse a solicitação fui informado que o assunto era de competência da CAPES e não do INEP! Isso mesmo: a partir no número disponibilizado no portal da CAPES para atendimento, fui parar em outro órgão do MEC. 

4ª tentativa: contato telefônico com a coordenação internacional - parte 1
Ao menos consegui ser redirecionado para a CAPES, sem ter que realizar outro telefonema. Novamente fui atendido por uma pessoa que não tinha muita ideia sobre minha solicitação, mas que para poder ouvi-la teve que, antes, anotar, novamente, todos meus dados; desta vez com indicação de minha data de nascimento. 

5ª tentativa: contato telefônico com a coordenação internacional - parte 2
Aquele primeiro atendimento na CAPES (o segundo do dia) subitamente foi transferido para outra pessoa, a quem tive que, novamente, explicar que eu apenas queria informações sobre o programa de cooperação com a Colômbia, o Colciências. Desta vez meus dados requiridos foram profissão e número de telefone. Ao menos consegui obter o número do setor de cooperação internacional

6ª tentativa: contato telefônico com a coordenação internacional - finalmente!
Nessa nova ligação consegui ser atendido, finalmente, na área internacional, e sem ter que indicar nenhum dado pessoal. Após expor a questão e aguardar um pouco obtive a resposta de que a pessoa responsável pelo convênio estava de férias e que sua chefe estava inacessível em uma reunião. Mesmo assim a pessoa com que falei foi bastante solícita e me disse que até a próxima semana a informação estaria disponível e que eu "não deveria me preocupar". 

O episódio é bem preocupante sim !
Ora se um edital tem cerca de 36 dias de prazo (de 25/09 a 31/10, segundo o portal colombiano) e apenas disponibiliza sua informação básica por um tempo menor (ainda não sabemos quanto), obviamente que o tempo de preparação do projeto e da documentação fica bastante comprometido, principalmente porque sequer há sinalização de quais serão as possibilidades e requisitos para fazer a submissão pelo lado brasileiro. Em se tratando de um projeto internacional de cooperação o prazo é algo bastante crítico já que envolve tomada de decisões e ajustes institucionais que não competem apenas aos pesquisadores interessados. O passo inicial seria poder ter pleno conhecimento do que é o edital, quais projetos pode abarcar, quais não pode, quais os requisitos dos participantes, dos coordenadores e qual é a documentação necessária. Para o momento, no caso em questão, os pesquisadores (de dois países, de três diferentes instituições) estão em stand by, extremamente preocupados com os prazos e o acesso à informação. 

O pesquisador que assina esta nota está, ainda, muito preocupado com a maneira com a qual o acesso às informações é trabalhado em nosso país, comprometendo o avanço da ciência brasileira. Acesso à informação, no âmbito do portal da CAPES, não deveria se resumir a uma logomarca com link à página da CGU referente à nova lei e à divulgação (ou não) de salários de funcionários. O acesso à informaçãoem questão relaciona-se principalmente à divulgação clara e precisa de informações relativas às atividades-fim da agência a qualquer pesquisador interessado, independente de CPF, confirmação de nome, endereço etc. Deveria ainda propiciar um contato direto com o setor responsável sem ter que obrigar o interessado a passar por uma bateria de guichês telefônicos. Custa muito colocar no portal TODOS os ramais e telefones da agência? Isso não seria também uma política de acesso à informação? Por que consigo ter acesso aos dados salariais de funcionários, mas não consigo localizar os telefones dos diferentes setores de um órgão público? Por que consigo ter acesso ao portal brasileiro da transparência mas só consigo ter informações precisas sobre um projeto CAPES em um portal estrangeiro? 

Em tempo: na bateria de guichês telefônicos pela qual passei, meus dados pessoais foram anotados diversas vezes, sem que eu fosse informado sobre qual seria o uso e o porquê da exigência. Em nenhum momento fiquei sabendo mais do que o prenome de quem me atendeu. Será que, por uma questão de reciprocidade e de compreensão da dimensão do que é prestar um serviço público, eu não deveria ter sido também informado do nome completo e matrícula das pessoas com as quais falei?

6 comentários:

  1. Hoje, dia 03/10 consegui aceder às informações da parte brasileira do projeto no site da CAPES. O Prazo é até 26/10, menos de 25 dias....

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  2. Fiquei impressionado com a riqueza de detalhes que foi apresentada em seu relato, bem como com as dificuldades encontradas. Isso reflete bem o discurso "terceiromundista" de nossa presidente na ONU. Fica muito mais fácil "botar a culpa nos outros" do que fazer nosso dever de casa. Falta inovação e sem pesquisa não há inovação.

    Paulo Argolo

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    1. Concordo com você, mas acrescento que além do binômio pesquisa-inovação falta, às vezes vontade operacional (não chega a ser nem vontade política) para que simplesmente a máquina burocrática caminhe...

      Algo mais eficiente (e bem mais complicado no âmbito da vontade política) seria repensar os procedimentos de gestão das atividades-meio da pesquisa no Brasil...

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  3. Penso sempre na manutenção de relações já existentes (poder da elite intelectual), ou seja, já há quem sabe muito bem o que deve ser feito, abre-se um edital para legitimar relações já definidas. Será que não? Ou a coisa é mal informada mesmo, daí ninguém se inscreve e culpa a falta de interesse na "oportunidade"?

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    1. Acho que é um pouco das duas coisas, com uma enorme dose de "não-tou-nem-aí". Quanto mais eu me envolvo com áreas administrativas mais eu me surpreendo com coisas impublicáveis aqui...

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  4. Acabei de receber a seguinte nota do Informativo Online nº 34 - Brasília, 29 de abril a 05 de maio de 2013, Boletim da Associação dos Docentes da UnB:

    "O professor da Faculdade de Educação, Remi Castioni, obteve êxito numa ação que ingressou na Justiça, mês passado, contra a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) por ter desclassificado seu projeto sem permitir recurso.

    A justificativa da Capes para desclassificar o projeto se baseou na falta da assinatura do pró-reitor de Pesquisa/Graduação da (UnB), exigida no edital de convocação. Porém, de acordo com o professor Remi Castioni, o documento continha as assinaturas do professor (coordenador do projeto), do decano de Pesquisa e Pós-Graduação e do reitor da UnB.

    Na sentença, o juiz Tales Krauss , da 4ª Vara Federal, reconheceu que a Capes agiu com “excesso de formalismo”, pois, embora o ofício de encaminhamento não tivesse sido assinado pelo pró-reitor de Pesquisa/Graduação da UnB, o documento continha as assinaturas do professor (coordenador do projeto), do decano de Pesquisa e Pós-Graduação e do reitor da UnB, o que demonstra que “a finalidade exigida pela CAPES, de que a instituição de ensino superior tivesse ciência da proposta, foi atendida”. Dessa forma, o juiz concedeu liminar para que se dê sequência às demais análises técnicas e de mérito do projeto.

    Antes de recorrer à Justiça, o professor esgotou todas as etapas para que o litígio se resolvesse no âmbito administrativo: procurou primeiramente a Diretoria de Educação Básica (DEB), da Capes, promotora do edital, que também tem o apoio do INEP, protocolou pedido para justificar que a desclassificação do edital não havia considerado os documentos entregues. A diretoria, entretanto, não considerou os argumentos e insistiu que a tese de desclassificação estava correta.

    Segundo o professor Remi, as universidades estão sendo cada vez mais tolhidas e sufocadas por normas e procedimentos emanados pelos órgãos de controle, e que é preciso reagir contra essa prática.

    Nesta etapa, o professor aguarda que se cumpra a liminar.

    O processo foi ajuizado pelo escritório Alino & Roberto e Advogados, que presta assessoria jurídica aos fliados à Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB)."

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