Ambiente virtual de debate metodológico em Ciência da Informação, pesquisa científica e produção social de conhecimento

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Qual a diferença entre co-autor e orientador?

A questão da co-autoria em trabalhos científicos muitas vezes reflete situações hierárquicas de aspectos éticos bastante discutíveis, como é o caso, nas ciências exatas de haver a necessidade de incluir pesquisadores responsáveis por facilitar o uso de determinados equipamentos de laboratório no rol dos autores do paper resultante de tais experiencias. Tal prática, obviamente, nunca é assumida explicitamente, porém é bastante usual. Já conheci pesquisadores que ao início do ano, à época de lattesjar (ver post aqui sobre a conjugação do verbo), não tinham ideia de quantos artigos haviam publicado no ano, pois ainda não haviam recebido informações sobre o que seus colaboradores de laboratório haviam publicado. 

Em outros contextos, como forma de "impulsionar" a produção científica institucional de programas de pós-graduação (leia-se geração de indicadores), obriga-se a que os alunos publiquem em co-autoria com seus orientadores, como, é o exemplo do PPCINF/UnB (baixar regulamento aqui). A questão é delicada, pois, de algum modo, o orientador é realmente co-responsável pela pesquisa de seus discípulos, porém, por outro lado, a coisa poderia se configurar como exploração do trabalho intelectual. Obviamente o bom senso e o equilíbrio ético, que deveriam funcionar como balizadores e impedir abusos e distorções, nem sempre são eficazes. Há na história acadêmica uma infinidade de casos que servem de alerta para que analisemos a questão com mais cuidado. 

Em um debate iniciado na web, há mais de quatro anos, a Faculdade de Engenharia da UERJ relata decisão judicial, em favor de aluna de pós-graduação, na qual o professor orientador, juntamente com a instituição, foram condenados por usurpação de autoria de trabalho científico (ver nota aqui). Um dos argumentos da sentença foi embasado no artigo 15º da Lei do Direito Autoral (9.610/98) que, em seu inciso primeiro diz que "Não se considera co-autor quem simplesmente auxiliou o autor na produção da obra literária, artística ou científica, revendo-a, atualizando-a, bem como fiscalizando ou dirigindo sua edição ou apresentação por qualquer meio". Esse aspecto legal é bastante relevante, pois descreve grande parte das atribuições de um orientador com seu pós-graduando. Não é o caso de afirmar que a relação orientador-aluno se resuma a isso e nem que tal atitude deva ser desejável, mas o fato é que me parece necessário repensar quais são os limites dos méritos a serem atribuídos à atividade docente (no sentido lato, de ajudar a formar e construir conhecimento).

O outro lado delicado da relação orientação co-autoria reside na "transferência" de responsabilidade do discente a seu mestre, fazendo com que, pela simples indicação de autoria coletiva, acessos a revistas e congressos possam ser abertos. No caso da Ciência da Informação no Brasil, há algum tempo que os encontros nacionais da área não aceitam sequer avaliar propostas de pos-graduandos que não venham compartilhadas por seus orientadores.

Em janeiro de 2013, no congresso Ciencias, Tecnologías y Culturas. Diálogo entre las disciplinas del conocimiento. Mirando al futuro de América Latina y el Caribe, promovido pelo movimento intelectual Internacional del Conocimiento (ver página aqui) passei pela desagradável situação de haver 8 certificados em meu nome, quando o regulamento do evento não permitia apresentar mais do que dois trabalhos, por conta de alunos que reproduziram, quase que automaticamente, o hábito nacional de sempre colocar o nome do orientador em todas os seus produtos acadêmicos. Felizmente havia outros colegas brasileiros em situação semelhante, o que provocou uma reunião da comissão organizadora, que revisou as limitações. Eticamente apenas trouxe na bagagem os trabalhos nos quais a co-autoria representou um efetivo trabalho de equipe, e não uma assessoria docente ao trabalho de meu aluno (algo que é inerente de minha condição de orientador), deixando no Chile 4 certificados preenchidos com o meu nome.

A questão é, sem dúvida, delicada e toca em práticas consolidadas de algumas áreas, além de retomar o eterno debate sobre os limites da compreensão da esfera da Justiça Pública em relação ao universo científico. Porém é necessário que, seja como autores ou seja como co-autores, passemos a repensar nossa relação com a produção do conhecimento científico, sempre lembrando que pelos argumentos embasados na tradição ("sempre foi assim", "é uma prática já consolidada" etc.) as mulheres não poderiam votar e a escravidão ainda seria legal. 

A imagem escolhida para ilustrar o post busca representar um momento de comunhão de equipe, o que deveria ser a regra na elaboração de trabalhos em co-autoria...

4 comentários:

  1. Olá! Conheci hoje o blog e achei muito legal a proposta! Parabéns! Eu estou iniciando os meus estudos sobre a Ciência da Informação e relatando isto no meu blog: crismnetto.wordpress.com . Pelo avanço da pesquisa em CI! :)

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    1. Grato pelo elogio.

      Acabei de conhecer seu blog e achei muito bacana.

      Quando comecei a induzir aos alunos de metodologia do PPGCINF a criarem e manterem um blog a ideia era que conseguissem realizar algo próximo ao "Pesquisadora em (in) formação". Infelizmente não se chegou a tal qualidade por aqui.

      Parabéns pelo ambiente exemplar.

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